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Quando fui trabalhar na COELBA, em 1982, procurei logo me filiar ao SINERGIA e acompanhar as ações e mobilizações sindicais. Apesar de participar ativamente do cotidiano sindical não passava por minha cabeça a participação como delegado sindical, muito menos como dirigente. Por uma razão: trabalhava como analista de sistemas, lotado num setor que não tinha a menor identidade operária. É certo que na época tínhamos um grande número de digitadores, função já extinta e que muitos nem chegaram a conhecer. Mas estes geralmente tinham dois empregos para conseguir uma grana a mais e não tinham tempo para acompanhar as mobilizações que à época aconteciam com frequência.

Enfim, com meu traço de personalidade dado à negociação e à cordialidade, e minha inserção profissional achava que seria caracterizado como um sindicalista “nutella” usando uma expressão hoje corriqueira.

Deixando minha história de lado, entendia que existia um grupo de sindicalistas que seria rotulado, a termos de hoje, de sindicalista “raiz”. Aqueles que tiveram a sua trajetória construída no enfrentamento objetivo das injustiças cotidianas e cuja consciência de classe (não gosto deste termo mas é o que me ocorre) não foi elaborada a partir da literatura de esquerda mas a partir da resposta aos ataques que feriam a sua dignidade.

Paulo Anunciação era um destes: comandava um sindicato de trabalhadores braçais, de baixa qualificação e cuja ação sindical era contundente e marcada pelo enfrentamento. E, juntamente com o SindVigilantes, caracterizavam-se por ter uma base de representação quase que totalmente de pessoas da raça negra. Ambas as categorias localizadas na base da remuneração mas na base também da pirâmide que representa a estratificação do mercado de trabalho. Duas categorias que representavam trabalhadores condenados à invisibilidade no local de trabalho. Estas características obrigavam a uma ação sindical bem ostensiva para que estes trabalhadores fossem percebidos também pelo mundo sindical.

Mas a categoria comandada por Paulo Anunciação tinha outra característica. Garis principalmente eram, à época pelo menos, o único segmento do trabalho assalariado de Salvador a usar “dreadlocks” e toucas rastafari. E no Sindilimp tivemos os primeiros dirigentes sindicais “rastas” da cidade. Lembro-me de Paulo, Edivaldo e Vítor mas posso estar me esquecendo de mais alguns. E um dos primeiros sindicatos a tocar Edson Gomes nas suas mobilizações. Não é à toa que quando espancado e preso pela PM durante uma manifestação em protesto à demissão de mais de 4.000 garis pelo então prefeito Antônio Imbassaí teve os seus dreads cortados a faca. Por policiais quase todos pretos.

Paulo e sua geração no Sindlimp contribui, para além das conquistas sindicais tradicionais, com a reflexão sobre a presença do trabalhador negro no mercado de trabalho e com o direito ao uso dos seus signos (indumentária e forma de se apresentar) no local de trabalho.

Neste novembro em que se comemora o Dia da Consciência Negra a melhor homenagem que o movimento sindical baiano pode prestar a Paulo Anunciação é verificar a quantas anda a presença do trabalhador negro no mundo do trabalho.

Mais que um sindicalista “raiz” um sindicalista “roots”